Tínhamos medo, muito medo!
Não acho que o medo e o temor aos poderosos sejam características da covardia. Mas hoje, 46 anos depois, confesso, amos muito medo nas redações em 1968. Nossa arrogância juvenil foi o a o se tornando em auto censura. Tínhamos muito medo de policiais de qualquer tipo ou farda e, mais ainda, das polícias secretas. Mas o que mais temíamos eram os alcaguetes, os dedos-duros, aqueles que trabalhavam por perto. Medíamos nossas palavras a cada instante, da redação aos botecos. Lá fora a Brigada Militar batia e prendia os manifestantes. Nossos colegas por vezes desapareciam das redações. Sabíamos que quem fosse convidado ao prédio da rua Paraná (Polícia Federal) dificilmente sairia ileso de lá. Sabíamos do cemitério clandestino de Viamão para onde eram enviados aqueles mortos em combate ou nos porões da ditadura. Sobrevivíamos do nosso medo e da desfaçatez de acreditar que nada estava acontecendo. Mas sempre com o temor que a “clava forte da Justiça” se abatesse contra os mais fracos.
Na época, fiz três coberturas de visitas presidenciais ao Rio Grande do Sul. Costa e Silva a Taquari, Médici em Bagé quando montou num cavalo que ganhou de seus conterrâneos e Médici ao Chuí, quando foi inaugurada a famosa “Rodovia do Inferno”, Vila da Quinta à fronteira com Uruguai. Médici almoçou com Pacheco Areco (também ditador no Uruguai) na Fortaleza de Santa Tereza, na fronteira. Sempre no quadradinho reservado aos jornalistas e fotógrafos. Ditávamos os textos para a redação, enquanto os fotógrafos se viravam com as tais radiofotos, um processo primitivo de enviar as imagens. Ou viajávamos a noite inteira na esperança que nossas viaturas (kombis na Caldas Júnior ou Willys Rural na Zero Hora) permanecessem sobre a pista.
E de quando em vez diagramávamos o jornalzinho da Faculdade de Economia da UFRGS, impresso em mimeógrafos a álcool, que trazia as notícias da clandestinidade.
Tínhamos medo. E depois que o regime foi apodrecendo, nunca mais tivemos medo de ninguém ou de nada. Porque já tínhamos ado a nossa overdose de medo e sabíamos que o que ou nunca mais iria se repetir.
Como o poeta Thiago de Mello escreveu em 1966, agora éramos noivos da Liberdade, e nada devíamos temer:
Quero dizer teu nome, Liberdade,
quero aprender teu nome novamente
para que sejas sempre em meu amor
e te confundas ao meu próprio nome.
Deixa eu dizer teu nome, Liberdade,
irmã do povo, noiva dos rebeldes,
companheira dos homens, Liberdade,
teu nome em minha pátria é uma palavra
que amanhece de luto nas paredes.
Deixa eu cantar teu nome, Liberdade,
que estou cantando em nome do meu povo.